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Mudanças de Temer no Fies só beneficiam o capital financeiro, acusam debatedores

Representantes de estudantes, de estabelecimentos de ensino e deputados criticaram a Medida Provisória (MP) 785/17, que modifica as regras do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), durante audiência pública na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, terça-feira, 26. Eles acusam a proposta de levar ao fim do programa que garante o acesso de jovens carentes ao ensino superior. A audiência foi realizada a pedido dos deputados Danilo Cabral (PSB-PE) e Pollyana Gama (PPS-SP).

A MP reduz o investimento governamental e abre o Fies para a adesão dos bancos, que passariam a receber o pagamento de parcelas, a constituição de um novo fundo garantidor e novos sistemas de tecnologia de informação para a seleção e o financiamento. Com isso, os estudantes perderiam poder de negociação e os principais beneficiários deixariam de ser os universitários e entidades de ensino e passariam a ser o setor financeiro, segundo os expositores contrários às mudanças.

O deputado Danilo Cabral criticou que “o que foi proposto aponta para um esvaziamento ou até um desmonte do Fies como política de acesso ao ensino superior. O Brasil conta hoje com aproximadamente 8,2 milhões de matrículas no ensino superior, sendo 6,1 milhões em instituições privadas. Dessas matrículas, 2,3 milhões são contratos do Fies. Depois da aprovação da chamada PEC do Teto, vimos contingenciamento nas verbas para educação e extinção de outros programas sociais. As reformulações de programas são feitas através de MPs, sem diálogo, como essa do Fies, que sinaliza o esvaziamento do Fundo. Houve corte de 50% das vagas no programa.  Não se faz política pública com uma lógica fiscal, mas com a lógica das necessidades sociais. O equilíbrio fiscal não pode ser um fim em si mesmo”.

A deputada Pollyana Gama lembrou que o Fies foi criado com o objetivo de conceder financiamento a estudantes de cursos superiores não gratuitos. Ao final da reunião, pediu esclarecimentos sobre o chamado rombo no Fies. Os representantes governamentais, Jossifram Soares, do Ministério da Fazenda, e Flávio Carlos Pereira, do Ministério da Educação, falaram da falta sustentabilidade ao programa, devido às taxas de inadimplência. Entre 2010 e 2015, foram 1,7 milhão a mais de alunos no Fies, contra um aumento de apenas 700 mil no ensino superior. Segundo os representantes do governo, mais de 3 milhões de estudantes já foram atendidos pelo Fies desde sua criação, com financiamento de mais de R$ 70 bilhões.

Contraponto

Ambos foram rebatidos. Reginaldo Oliveira Vieira, da Defensoria Pública da União, afirmou que Fies é uma “política pública de grande relevância para democratização do acesso ao ensino. A crítica que temos é com relação ao problema de governança. Há a preocupação com a continuidade. Muitos estudantes de 2014 não conseguiram renovar em 2015, o que afetou no aumento da inadimplência. A MP dá um olhar exclusivamente fiscal para uma política pública. Precisa haver equilíbrio fiscal, mas não será burocratizando ainda mais o que já era burocrático que o problema será resolvido”.

Bruno Coimbra, da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep), questionou: “Quem é esse aluno que está inadimplente? Quantos contratos estão em amortização? Hoje 10% estariam em fase de amortização. É necessário transparência da política, que alunos e entidades de ensino entendam o Fies. É um investimento, resulta ganho salarial para o trabalhador com curso superior e aumento da arrecadação pelo governo – isso não aparece nas planilhas fiscais. A MP tira a possibilidade de o aluno negociar o pagamento de suas dívidas. Fala-se em rombo, em gastos, mas nunca se fala em investimento”.

A vice-presidente da Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup), Elizabeth Guedes, também fez questionamentos: “Quanto custa a renegociação dos fazendeiros? Estamos fazendo. Estamos renegociando o crédito da agricultura. Quantas vezes vocês viram dizer que estamos renegociando os créditos do Fies? Nunca.” Para ela, o juro zero, apresentado pelo governo como a grande vantagem da MP, “não é benefício, mas é esconder do aluno o quanto ele vai pagar, porque vai pagar a inflação que for se acumulando. 100 mil bolsas para jovens de até 3 salários mínimos é nada. O Fies não é programa para a escola, mas para o aluno O chamado Fies 2, então, nem alunos e nem escolas foram chamados para discuti-lo, só os banqueiros”.

Mais contundente foi a presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Marianna Dias, que observou que o programa diz respeito essencialmente à vida dos estudantes, e que não se deve creditar a ele o rombo na economia brasileira. “Como se o Fies fosse tirar o Brasil do buraco, da crise econômica. A UNE foi uma das principais entidades responsáveis por popularizar o Fies nas universidades. Os financiamentos anteriores eram perversos, só atendiam a pessoas de classe média alta. A grande massa do povo não tinha condição de se endividar com educação. Fizemos campanha para mostrar que o Fies era um direito. A MP retrocede: volta aos tempos em que o estudante não conseguirá pagá-lo. Fazem o dicurso da inadimplência, mas a MP vai aumentá-la. Os estudantes também não foram ouvidos sobre Comitê Gestor, que a MP cria, e são eles os que passam as dificuldades para pagar. A lógica está invertida – o Fies é um programa para os estudantes e não para as instituições. Como um governo pode diminuir o prazo de carência num país de desemprego? São coisas incompatíveis. O que está por trás da MP é a PEC dos Tetos, que não mexe nos bancos, nos grandes empresários, mas mexe com os pobres, mexe com o Fies, com a saúde pública, com a segurança. A MP é o início do fim de um programa que mudou para melhor a vida das pessoas”, acusou.

O conteúdo da MP

A MP promove a mudança do Fies para um novo modelo. Por ela, será dividido em três modalidades a partir de 2018. Na primeira, funcionará com um fundo garantidor com recursos da União e ofertará 100 mil vagas por ano, com juros zero para os estudantes que tiverem uma renda per capita mensal familiar de três salários mínimos. O governo vai compartilhar o risco do financiamento com as universidades privadas.

Na segunda modalidade, terá como fonte de recursos fundos constitucionais regionais, para alunos com renda familiar per capita de até cinco salários mínimos, com juros baixos e risco de crédito dos bancos (alguns debatedores afirmaram que essa faixa de até cinco salários mínimos não consta expressamente da MP). Serão ofertadas 150 mil vagas em 2018 para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

A terceira modalidade terá como fontes de recursos o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e os fundos regionais de desenvolvimento das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, com juros baixos para estudantes com renda familiar per capita mensal de até cinco salários mínimos. O risco de crédito também será dos bancos. Os representantes dos fundos regionais de desenvolvimento, presentes à audiência, disseram que não existem recursos disponíveis para esse fim.

No início de setembro, foi prorrogado no Congresso Nacional o prazo de vigência da MP, que ganhou mais 60 dias para ser votada por senadores e deputados. A MP, editada pelo presidente Michel Temer em 6 de julho, ainda está sendo analisada pelo relator da proposta na comissão mista, deputado Alex Canziani (PTB-PR), e depois precisa ser votada nos plenários da Câmara e do Senado.

Carlos Pompe – Contee

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