“A contrarreforma trabalhista: impactos e resistência política” foi o tema do painel que abriu o segundo dia do XIX Conselho Sindical (Consind) da Contee neste sábado (30), com a participação da consultora jurídica Zilmara Alencar, do advogado trabalhista José Eymar Loguercio e do assessor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) André Santos. O debate, mediado pela coordenadora da Secretaria de Relações do Trabalho da Confederação, Nara Teixeira de Souza, e pelo coordenador da Secretaria de Assuntos Jurídicos, João Batista da Silveira, concentrou-se nos instrumentos jurídicos, sindicais e institucionais para resistir à implementação da Lei 13.467/17, da “reforma” trabalhista, que entra em vigor em novembro, e reverter a destruição dos direitos dos/as trabalhadores/as.
“O movimento sindical está diante de desafios que precisam ser encarados com visão de resistência. Como vamos resistir? Quais os nossos instrumentos de luta? Quais as prerrogativas que precisam ser exercitadas e as ações que precisam ser planejadas?”, provocou Zilmara. Em sua fala, a consultora apontou, por exemplo, a falta de uniformidade no entendimento do Judiciário, haja vista o franco contraste entre o discurso do presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Ives Gandra Martins Filho, em defesa da reforma trabalhista e o manifesto assinado po vários ministros do TST e entregue ao Senado Federal antes da aprovação da matéria apontando 37 pontos de total incompatibilidade entre o projeto que tramitava — e que acabou sendo aprovado — com os princípios protetivos que regem o direito do trabalho.
O problema, porém, não está apenas no âmbito do TST. “O STF [Supremo Tribunal Federal] vem demonstrando uma tendência bastante enfática de retirada de direitos da classe trabalhadora”, apontou Zilmara, citando casos com o fim da ultratividade das normas coletivas, a terceirização, a consideração de inconstitucionalidade sobre a contribuição assistencial, entre outros. Diante disso, segundo ela, as entidades sindicais precisam reformular sua atuação. “Entendo que, neste momento de mudança, a primeira ação do movimento sindical é repensar suas ações, o contexto de sua atuação, baseando-se na defesa desses princípios protetivos e na busca de apoio das convenções internacionais”, considerou.
“Hoje nossa atuação sindical é muito pautada na relação de emprego. Precisamos sair desse contexto e migrar para o contexto da relação de trabalho”, ressaltou também, citando as novas relações contratuais, como a figura do autônomo e os processos de pejotização. “Quem vai representar aquele trabalhador? Enquanto nosso movimento não ampliar esse horizonte, entendendo como trabalhador aquele que depende do trabalho como seu sustento e que ele é, sim, representado por seu sindicato profissional, independentemente da forma como teve que constituir a relação de trabalho, não vamos avançar neste momento. O movimento sindical precisa abranger todas as novas formas de contratação”, declarou.
Isso inclui também as relações de não trabalho, dado o excessivo número de desempregados. “Como represento o desempregado? Uma das questões é a mudança nas regras de acesso ao seguro-desemprego, que agora exigem a comprovação de que se trabalhou um ano nos últimos 18 meses. Ao não receber seguro-desemprego, aquele trabalhador está vulnerável a qualquer oferta de emprego, porque está em busca do que garanta seu sustento.”
Zilmara também abordou o assunto da contribuição sindical e a tentativa de afastamento da representação por categorias, substituindo-a por uma representação meramente associativa. Sobre o primeiro ponto, a consultora jurídica disse que, embora a reforma trabalhista tenha mudado a CLT a fim de afirmar que seu recolhimento tem que se dar mediante autorização prévia e expressa, a natureza da contribuição continua sendo tributária e compulsória. Em outras palavras, segundo ela, a autorização de que fala a nova lei é dada não individualmente, mas pela categoria, em assembleia e, diante disso, o empregador é obrigado a recolhê-la.
Já sobre o segundo tópico, Zilmara destacou que “nos deparamos recentemente com tentativas de fazer com que o movimento sindical abdique de sua representação de categoria e passe a atuar como associação, voltando suas ações só para os sócios”. “Não vamos cair nesse canto da sereia. O movimento sindical é aquele que carrega em seu seio maior espírito de solidariedade.”
Hiperflexibilidade das relações de trabalho
A apresentação do advogado José Eymar Loguercio foi ao encontro das reflexões de Zilmara, que, segundo ele, pontuou bem o papel do Judiciário antes mesmo da reforma, antecipando pontos dela, tanto no TST quanto no STF. “As reformas não apareceram da noite para o dia, mas se orquestraram rapidamente. Esse contexto nos leva a pensar para além da reforma trabalhista, na perspectiva audaciosa de um capitalismo financeiro que não tem precedentes”, enfatizou.
De acordo com Loguercio, “do ponto de vista das relações de trabalho, temos um sistema de proteção que decorreu de uma construção de uma sociedade amparada em um estado de bem-estar que trouxe para o sistema jurídico a garantia de direitos e, para os sindicatos, a tarefa de conquista de novos direitos”. Essa lógica, no entanto, foi transformada: “Agora não somos mais empregados, mas colaboradores; não mais trabalhadores, mas empreendedores. Vivemos um tempo que traz essas marcas. E, por isso, temos dificuldades de explicar a reforma trabalhista e seus efeitos para os próprios trabalhadores”.
Daí a hiperflexibilidade das relações de trabalho: o negociado sobre o legislado, a valorização do contrato individual sobre os acordos e convenções coletivas, contratos intermitentes em que o contratado não sabe nem dia, nem hora, nem mês em que vai trabalhar — e ainda pode pagar multa se não atender a convocação do empregador… Tudo isso somado ainda à tentativa de asfixia dos sindicatos. “Para enfrentar isso, é fundamental recuperar a ideia, para os trabalhadores, de que o sindicato que é o eixo de proteção e de garantia. Isso se faz também na forma de ampliação de sindicalização. Por isso a tamanha importância de campanhas de sindicalização.”
Alerta sobre a Medida Provisória
André Santos, assessor técnico do Diap, fez um restrospecto de todo o processo de tramitação e aprovação da reforma trabalhista — lembrando a incorporação de centenas de emendas de destruição direta de direitos trabalhistas, inclusive saídas, segundo ele, diretamente de IPs de computadores de entidades patronais, como Confederação Nacional da Indústria (CNI) e Confederação Nacional do Transporte (CNT) — e do acordo do Senado, feito para a aceleração da votação, de que seria enviada uma medida provisória para supostamente sanar pontos da lei. Com a pauta extensa do Congresso Nacional para o segundo semestre — que inclui reforma da Previdência, reforma política, uma minirreforma tributária e a própria denúncia contra Michel Temer —, se a MP for apresentada em novembro, o mais provável é que seja votada só em fevereiro do ano que vem, depois do retorno do recesso parlamentar. Entretanto, como frisou Santos, é preciso avaliar se a MP de fato amenizaria a reforma ou se servirá — o que parece mais passível de acontecer — para dar a segurança jurídica que ela ainda precisa para ser aplicada.
A resistência, para o assessor do Diap, passa, além do âmbito jurídico, pelos campos sindical e institucional. “Hoje estamos muito restritos a uma representação de categoria, perdendo o sentido de classe. Precisamos retomar esse conceito de classe. E a classe trabalhadora, coesa, é muito mais forte que a classe burguesa”, conclamou. Já no espectro institucional, ele falou sobre as eleições de 2018 e da importância de construir nelas um modelo de resistência no Congresso Nacional.
Às apresentações, seguiu-se o debate, com as intervenções da plenária que serão transformadas amanhã (1°) em propostas para serem incorporadas ao plano de lutas da Contee.
Apresentações:
André Santos
José Eymar Loguercio
Zilmara Alencar
Por Táscia Souza