Por José Geraldo de Santana Oliveira*
O XIX Consind da Contee, realizado nos dias 29 e 30 de setembro e 1º de outubro corrente, em Brasília, além da representatividade de cerca 300 pessoas e 71 entidades, teve como marcas dignas de destaque e louvor a contundente repulsa às Leis Ns. 13429/2017 — que autoriza a terceirização de todas as atividades empresariais, sem limites e sem freios — e a 13467/2017 — que transforma a CLT e a Justiça do Trabalho em instrumentos de proteção do capital contra o trabalho e estrangula e esvazia as organizações sindicais — e a férrea disposição de luta unitária, pelos meios que se fizerem necessários, contra esse colossal retrocesso social, sem precedentes, como há muito não se via.
Múltiplos foram os questionamentos suscitados, sobre o que e como fazer para impedir que as citadas leis sejam eficazes, pois que isso levaria à devastação do terceiro e do quarto fundamentos da República — respectivamente, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho, Art. 1º, incisos III e IV, da CF), do primeiro, da Ordem Econômica — a valorização do trabalho humano, Art. 170, caput, da CF —, e da base da Ordem Social — o primado do trabalho, Art. 193, da CF).
Apesar de ainda não ser possível responder, com precisão e segurança, a nenhum dos questionamentos suscitados, pois, como ensina o poeta espanhol Antônio Machado, em seu poema “XXIX de provérbios y cantares”, que assim assevera, em tradução livre, “Caminhante, são teus passos/ o caminho e nada mais. Caminhante, não há caminho, faz-se caminho ao caminhar. Ao andar se faz caminho, e ao voltar a vista atrás/ se vê a senda que nunca se voltará a pisar. Caminhante, não há caminho, mas sulcos de escuma ao mar”, alguns indicadores já se mostram presentes e merecem a reflexão de todos.
I No tocante à ação sindical:
1 Resistir, lutar e ousar: sem se descurar da luta política maior, inclusive com vistas à revogação dessas nefastas leis, tendo com epicentro os poderes Executivo e Legislativo, que têm competência para tanto; a vigilância dos direitos gerais e corporativos, mais do que nunca deve ser redobrada.
2 Como a Lei N. 13467 tem como um de seus pilares o esvaziamento dos sindicatos, há imperiosa e inadiável necessidade de que se produzam documentos explicativos e didáticos — inclusive aplicativos —, sobre os objetivos e as consequências de sua efetivação, com apelo para que não se assine nenhum documento relativo a contratos e/ou condições de trabalho, rescisão de contrato por acordo, quitação de direitos, sem antes consultar o respectivo sindicato, seja na própria empresa, seja perante a Justiça do Trabalho.
2.1 É preciso que cada sindicato disponibilize linha telefônica com disque-denúncia, para que os trabalhadores o informem sobre mudanças nos seus contratos de trabalho e demissões, individuais e coletivas, bem como as datas e locais de assinatura dos termos de rescisão de contrato.
2.2 Os sindicatos devem envidar esforços para, na medida de suas forças, acompanhar as rescisões de contrato, em especial as plúrimas (várias) e as coletivas, quando delas tiverem conhecimento em tempo hábil.
2.3 Com fundamento no Art. 8º, inciso III, da CF, 726 do Código de Processo Civil (CPC) e na Orientação Jurisprudencial (OJ) N. 392 do TST, Arts. 9º e 468 da CLT, os sindicatos devem notificar as empresas — judicial ou extrajudicialmente — para que se abstenham de praticar atos que visem a fraudar e/ou desvirtuar direitos de seus trabalhadores na celebração, na execução e na rescisão de contrato, sempre que forem informados ou tiverem indícios a esse respeito.
2.4 Os sindicatos não devem limitar-se a recusar a homologar termos de quitação de direitos. É de todo recomendável que analisem cada termo e cada direito quitado nele constante antes de dizer não.
Havendo dúvidas ou deles sobressaindo lesão de qualquer natureza, a empresa deve ser notificada para se abster de levá-los à homologação judicial prevista no Art. 855-B da CLT, sob pena de ação de nulidade. E mais: sempre que tomarem conhecimento de pedido judicial dessa natureza, devem requerer ingresso no processo como assistentes dos trabalhadores supostamente signatários deles.
Os sindicatos devem notificar todas as escolas sobre a superioridade das convenções e acordos coletivos que tenham firmado sobre eventuais acordos judiciais, por força do Art. 7º, inciso XXVI, 8º, inciso III, da CF, e o recurso extraordinário N. 590415; bem assim, para que se abstenham de celebrar contratos temporários, autônomos e/ou intermitentes com professores, por serem estes incompatíveis com os Arts. 205, 206, 208 e 209 da CF, 2º, 13 e 67 da LDB, Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) N. 3330.
I.1 Atuação sindical coletiva:
3 As campanhas salariais doravante serão muito mais complexas e difíceis e só se viabilizarão mediante ampla e intensa mobilização das respectivas categorias.
Por isso, o seu processo preparatório demandará tempo, paciência e habilidade, não podendo se restringir às tradicionais assembleias de aprovação de pauta de reivindicação.
3.1 A prudência indica que as pautas de reivindicações sejam as mais enxutas possíveis, tendo como suporte principal os instrumentos normativos já existentes. Claro que isso não significa que não lhes sejam incorporadas novas reivindicações, desde que encontrem eco social.
3.2 Ao elaborarem as suas pautas de reivindicações, os sindicatos, sem prejuízo de novas reivindicações, devem cuidar para que o seu primeiro ponto seja a renovação dos instrumentos anteriores.
Assim deve ser porque o TST firmou jurisprudência no sentido de que as cláusulas históricas, entendidas aquelas que tenham mais de dez anos de vigência, sem alterações, incorporam-se em definitivo aos contratos individuais de trabalho. Este entendimento foi reafirmado no Dissídio Coletivo do Sinpro-PI (Processo RODC 756.46.2010..5.22.0000), julgado em fevereiro deste ano. Daí a importância de se não se alterar a redação das cláusulas existentes. Caso haja reivindicação de ampliação de alguma delas, isso deve ser anotada em item separado.
3.3 A prudência e a cautela recomendam que os sindicatos jamais digam não, de plano, ao serem instados pelos empregados de uma empresa, por determinação desta, a assumirem negociações coletivas, com vistas à celebração de acordo coletivo, com o objetivo de reduzir e/ou suprimir garantias das CCTs.
O sindicato que recusar a atender essa instigação dará azo à empresa para que aplique o disposto no Art. 617 da CLT, que, nesses casos, autoriza a negociação direta, entre empregados — por meio de comissão de negociação — e empresa.
Infelizmente, o TST, no julgamento do Processo RR 1134676.43.2003.5.04.900 pela SDI, firmou jurisprudência no sentido de que o referido Art. da CLT foi recebido pela CF, não obstante o inciso VI do Art. 8º desta determinar que é “obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas”.
II Atuação sindical judicial:
4 Como a CLT patronal, consagrada pela Lei N. 13467/2017, visa a impedir, por todos os meios, o acesso à Justiça do Trabalho, necessariamente, os sindicatos terão de repensar e redirecionar a sua atuação judicial.
Em primeiro lugar, as suas ações terão de suscitar o chamado controle constitucional difuso, que consiste na discussão de inconstitucionalidade da norma, em cada caso concreto; sendo que a inconstitucionalidade do pagamento de custas e honorários de sucumbência, quanto aos pedidos que forem julgados improcedentes, deva ser arguida em todas as ações, por violação aos incisos XXXIV (direito universal de ação), XXXV (que veda qualquer tentativa de afastar da apreciação do poder judiciário as lesões ou ameaças a direitos), e LIV ( que assegura o devido processo legal).
Os fundamentos da República, consubstanciados na dignidade da pessoa humana (Art. 1º, inciso III, da CF), valores sociais do trabalho (Art. 1º, inciso IV, da CF), valorização do trabalho humano (Art. 170, caput, da CF), função social da propriedade (Art. 170, inciso III, da CF) e primado do trabalho (Art. 193 da CF), Declaração Universal dos Direitos Humanos, Declaração de Filadélfia, e convenções da OIT ratificadas pelo Brasil, obrigatoriamente têm de se constituir na espinha dorsal de toda reclamação trabalhista, seja individual ou coletiva.
4.1 As ações coletivas devem ser a regra; as individuais, a exceção.
4.2 Os pedidos, exceto os simples, que versem sobre verbas rescisórias e/ou diferenças quantitativamente determinadas, ao contrário do que estipula o Art. 840, da CLT — com a nova redação —, devem ser genéricos, isto é, sem valor especificado; esta alternativa encontra embasamento no Art. 324 do CPC.
4.3 As entrevistas com os trabalhadores, visando ao ajuizamento de reclamatórias trabalhistas, precisam ser circunstanciadas, com a maior apuração possível dos fatos sobre os quais incidirá aquela.
As entrevistas devem ser assinadas pelos reclamantes, e, se fizer necessário, juntadas ao processo trabalhista.
Havendo dúvidas, há de se buscar, antes do ajuizamento da ação, meios de provar os fatos a serem postos para a discussão judicial; a notificação extrajudicial, a exibição de documentos e a mesa redonda, na Superintendência Regional do Trabalho (SRT), e/ou a representação ao MPT, podem representar caminhos prévios pertinentes e prudentes.
III Custeio sindical:
5 Nos termos da Lei N. 13467, combinada com a Súmula Vinculante do STF N. 40 e com a famigerada decisão virtual tomada por este no Processo de RE 1018459 — a Contee ingressou com amicus curiae neste Processo —, os sindicatos somente podem contar com a contribuição dos associados, pois que a negocial não pode ser cobrada dos não associados, e a sindical tornou-se facultativa.
Por isso, muito se tem discutido sobre o que fazer para manter o custeio sindical. Até agora, emergem duas propostas com esta finalidade.
A primeira, formulada e sustentada pela Drª Zilmara, exulta os sindicatos a aprovarem a cobrança da contribuição sindical em assembleia geral de suas respectivas categorias, garantindo-se a participação de associados e não associados.
A segunda, esposada, no XIX Consind, pelo advogado da CTB, Magnus Fakar, consiste na coleta de assinaturas, em abaixo-assinado coletivo, contendo a autorização para o desconto da contribuição sindical.
Os fundamentos da primeira proposta, que se apresentam fortes, são os seguintes: a contribuição sindical é reconhecida como constitucional pelo Art. 8º, inciso IV, da CF e por farta jurisprudência do STF. Já no plano infraconstitucional, o Art. 513 da CLT autoriza os sindicatos a fixarem contribuições para todos os integrantes da categoria; o 578, igualmente da CLT, com a nova redação, que abre o leque de dispositivos que regulamentam essa contribuição, reconhece que ela é devida por todos os integrantes da categoria. Muito embora, de forma contraditória, o 579 condiciona-a à autorização prévia e expressa deles.
O Art. 582, que trata especificamente da contribuição devida pelos empregados, dispõe: “Os empregadores são obrigados a descontar da folha de pagamento de seus empregados relativa ao mês de março de cada ano a contribuição sindical dos empregados que autorizaram prévia e expressamente o seu recolhimento aos respectivos sindicatos”.
Essa proposta, com os seus fundamentos, aos quais deva ser acrescido o de que assembleia geral é fórum maior de deliberação de qualquer categoria, apresenta-se com a mais ampla e mais consentânea com o Art. 8° da CF.
A segunda proposta, por sua vez, tem por fundamento exatamente o receio de as consequências retroapontadas tornem-se realidade, e o disposto no mencionado Art. 582 da CLT, acima transcrito, que exige a autorização prévia e expressa de cada trabalhador, sem, contudo, dizer que tenha de ser individual.
No contorno jurídico atual, nele incluídas a Lei N. 13467 e a jurisprudência do TST e do STF, a segunda proposta apresenta-se muito mais segura. Todavia, o seu alcance é muito menor do que o da primeira.
Desse modo, cabe a cada sindicato sopesar os prós e os contras de cada proposta, optando-se por aquela que lhe parecer mais adequada; tendo a certeza de que os entraves legais e jurisprudenciais somente serão rompidos com ações ousadas e corajosas, sem se curvar aos riscos que ofereçam.
*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee